Ouvindo as milhares de queixas
dos fãs da franquia que nunca se cansam de dizer que o “terror” acabou em
Resident Evil, estava aqui eu pensando no que seria a razão desse “terror”, se
é mesmo isso, como muitos, inclusive a mídia, gostam de chamar. Do meu ponto de
vista o assim chamado terror em Resident Evil, é bastante subjetivo, ou seja,
ele está nos olhos de quem o vê, de quem o quer ver. Se o terror é movido por
medo, então ele existe até hoje, dependendo de como você vê a história do jogo
e do que você entende por medo, aquele medo que dá ao jogo e à sua jogabilidade
o sentimento de sobrevivência. Olhando a história dos jogos
desde o início até atualmente eu vejo dois tipos de medo, sendo bastante
distintos um do outro. O primeiro gerou o segundo e em vista disso passou a ser
compreendido e menos temido. O segundo, por sua vez, foi impressionante, mas
não o bastante para causar calafrios, aquele friozinho na espinha que a gente
sente diante de um desafio. Sem esse arrepiozinho a história passou a parecer
menos objetiva do que era antes.
Não entendeu nada? Pois bem, vou explicar. Inicialmente, lá no início do primeiro jogo da franquia Resident Evil sugeria que o medo era do “escuro”, algo quase sobrenatural, aquele medo do que pode ter na sala com as luzes apagadas ou na curva do corredor. Medo que era também intensificado pela presença de zumbis, aqueles primeiros zumbis do jogo. Isso também se dá pelo fato de que os zumbis inicialmente são considerados como criaturas demoníacas, do tipo de monstro que se encontra em histórias de terror clássicas, ao lado de lobisomens, eles são aqueles inimigos que se teme não apenas ser derrotado por eles e sim se tornar um deles depois, perdendo a própria vontade, a própria alma. Esse tipo de medo também intensificado por outros fatores até então explorados mais pelos filmes de terror, como casarões e mansões com design antigo, papéis de parede e mobília com cores frias e iluminação precária, quase sempre com alguma luminária estrategicamente colocada em uma sala ou corredor. O som ajudava a manter o clima, quase sempre bem tedioso e pouco mais orquestrado nas partes em que algo do suspense estava por ser revelado. Esse tipo de medo não sugeria algo mais palpável ou material como criaturas de carne, pele e ossos criadas a partir de vírus e transformações por experiências genéticas. Ainda nessa fase, a revelação do que realmente ocorria ainda tinha um tratamento final utilizando desse mesmo medo, mas dessa vez na forma de repudia, desprezo pela exploração dos envolvidos, fossem humanos ou animais.
Enfim, esse medo clássico do que
era desconhecido e assustador justamente pelo fato de ser desconhecido começou
a acabar em Resident Evil 2. No segundo jogo da franquia o cenário, agora mais
aberto, permitia se mover pela cidade em localidades muito mais iluminadas que
no jogo anterior. Embora a cidade estivesse tomada pela epidemia causada pelo
Vírus T, agora se sabia que os inimigos eram pessoas contaminadas pelo vírus e
atirar neles não era uma reação ao medo como acontecera no início e sim porque
se tinha conhecimento de que eles morreriam assim. Se formos analisar, o medo
dos mortos-vivos nessa parte já havia desaparecido em 50%, pois todos sabíamos
que os “mortos-vivos” estavam tão vivos quanto os personagens e vendo desse
ponto de vista, os heróis poderiam “matá-los novamente” para seguir em frente.
Foi nesse momento que a história de Resident Evil saltava para um novo tipo de
medo a ser explorado, deixando para trás o clima de terror clássico dos
cinemas.
Nesse primeiro tipo de medo
explorado as características mais comuns do jogador eram a respiração presa e a
atenção ao explorar os cenários novos pela primeira vez. A tensão era tão
grande que o coração parecia bater menos e respirar atrapalhava prestar atenção
nos detalhes. Sinceramente só vi esse sentimento de medo em Resident Evil 1 (e
Remake, obviamente, por ser o mesmo, mas no caso do Remake todos estavam
preparados, pois já conheciam o jogo, já no caso do primeiro os sustos eram
novidade) e em Resident Evil 0 (Zero).
Depois que o inimigo fora
revelado um novo tipo de medo havia sido introduzido no jogo: o medo das
criaturas e dos humanos superpoderosos e que eventualmente não tinham controle
sobre seus próprios poderes. Esse medo começou a ser explorado já em Resident
Evil 2, no qual se confrontava Willian Birkin em suas formas desenvolvidas pelo Vírus G (que nome
gay), além de se encontrar com o Mr. X, uma das outras variações do Tyrant do
primeiro jogo. Em Resident Evil 2 ainda havia uma exploração dos conceitos de
terror clássico, pois embora William já fosse uma criatura nova (que não se
ocultava nas sombras, que aparecia na tela em detalhes, carne, ossos e pele e
bem colorido), Mr. X trazia conceitos dos monstros clássicos, a pele
acinzentada, o porte humanoide grande, os movimentos lentos e a força
estupidamente absurda lembrava o clássico Frankenstein (quem não conhece essa
lenda das histórias de terror?) e de certa forma o próprio Mr. X era um
Frankenstein moderno, criado em laboratórios mais tecnológicos.
Em Resident Evil 3 o que ainda
restava de terro clássico se foi. Jill Valentine, que era um dos personagens
protagonistas no primeiro jogo retornava, em uma versão da história que não
avançava em nada o contexto principal. Pelo contrário a personagem explorava a
mesma cidade já conhecida pelos jogadores no segundo jogo e mesmo que passasse
por lugares inéditos, não haviam grandes novidades, tanto o final como grande
parte dos inimigos já eram conhecidos. O objetivo da Capcom em Resident Evil 3
não era trazer nada de novo ao mundo de Resident Evil e sim fazer um jogo que
vendesse muito, aproveitando o sucesso do segundo título. Para tanto um novo
inimigo fora inserido no jogo, o famoso Nemesis, cujo nome vinha gravado com o título
do game. Nemesis já tirara todo o terror clássico de cena, seu traje negro
cheio de adornos, sua expressão monstruosa e o fato de que usava armas e falava
(Staaaaaaars) já traziam uma criatura um pouco mais inteligente que corria
atrás da personagem o tempo todo. Nemesis com certeza agradou aos fãs de rock
com seu visual.
Resident Evil 3 também passara a
explorar outros fatores, como vários tipos de munição, armamento e formas de
matar os inimigos. Também foi em Resident Evil 3 que a sensualidade dos personagens
começou a ser explorada, Jill lutava para sobreviver ao caos de saia e top,
exibindo as pernas com botas de cano alto e cabelo cortado como se fosse uma
modelo. O terror clássico, explorado pelo medo do escuro, do sombrio e do
desconhecido era enfim deixado de lado para dar lugar ao medo do material, dos
inimigos criados por cientistas e que, mesmo sendo vulneráveis a tiros, eram
cada vez mais poderosos. Ao mesmo tempo outros elementos como o perfil e visual
dos personagens era inserido com mais detalhes.
Ao mesmo tempo em que Resident
Evil 3 mostrava o fim do medo inicial da saga, Resident Evil: Code Veronica
mostrava esse medo de forma quase poética, com direito a cenas feitas em
grandes panoramas, música clássica orquestrada em diversas passagens e cenas
explorando o lado emocional dos personagens. Esse foi o último suspiro do medo
clássico em Resident Evil.
Resident Evil 4 veio arrasando
com tudo o que os anteriores tinham feito. Os inimigos eram pessoas totalmente
agressivas, com o desejo de matar e oprimindo o personagem principal. No
entanto eles não eram zumbis e lutavam em plana luz do dia. Assustador? Sim,
eram pessoas armadas e impiedosas, mas eram alvos e você não sentia medo deles,
tampouco piedade de enchê-los de tiros. A nova câmera de jogo favoreceu a
visão, a precisão e também a movimentação do personagem, deixando-o mais ágil
diante dos oponentes. Entre os novos inimigos começava a aparecer os de tamanho
gigantesco, mas igualmente derrotáveis com tiros e um pouquinho de estratégia. Nesse
novo tipo de jogo ainda havia o medo, mas era um medo diferente, era o medo de
ser cercado por inimigos furiosos e ser morto por eles de forma cruel e
agressiva, o medo de encontrar um monstro de 4 metros de altura e não ter uma
arma super equipada para atirar nele. Não havia mais o desconhecido no jogo,
pois mesmo que não se soubesse o que viria pela frente, já se tinha alguma
ideia do que esperar e como enfrentar.
As principais características do
medo de inimigos poderosos podem ser comparadas ao medo de se voltar pra casa à
noite por um bairro conhecido por roubos. O coração fica acelerado em grande
parte do tempo, se olha para os lados o tempo todo esperando que algo apareça e
mesmo quando não aparece nada, em muitas vezes se corre sem parar com o coração
aos pulos. Esse mesmo tipo de medo foi usado na histórias de diversos outros
jogos da saga como Resident Evil 5, Resident Evil 6 (campanha do Chris e Jake),
Resident Evil Darside Chronicles e Resident Evil Operation Raccoon City, se
tornando o foco principal da franquia.
A resposta para o medo de
criaturas desenvolvidas em laboratórios e afins foi encarar esse mal de frente,
com personagens preparados e supridos de armamentos e equipamentos. Nesse ponto
da história os personagens ficaram em um nível tão próximo dos inimigos que o
medo sentido inicialmente na franquia reduziu-se a 10% do que era. Esse meio de
combater o mal de frente foi explorada extremamente na franquia cinematográfica
da série.
Enfim, o medo do escuro, medo do
desconhecido, medo de coisas sombrias e além da imaginação deixou de existir ao
passo que os personagens descobriram o que era aquilo qual realmente
enfrentavam. Inicialmente esse inimigo, agora revelado, apresentara certa
opressão, medo e sentimento de fraqueza nos personagens, mas com o tempo (mais
de uma década), nossos heróis (bem como nós mesmos) aprendemos que tudo que
pode morrer com tiros nós podemos matar (sem problemas) e partindo desse ponto,
por que ter medo?
Créditos do Artigo: Dan Yukari