Nem é preciso muita pesquisa, em qualquer rede social, grupo ou fórum que envolva o tema Resident Evil, quando a pergunta é qual o personagem mais odiado nos games a resposta é direta e unanime: Ashley Graham. Mas por que tanto descontentamento dos fãs da franquia pela personagem de Resident Evil 4, sendo ela o segundo protagonista da história? A resposta para essa pergunta é também simples e objetiva, vindo diretamente daqueles que jogaram o jogo: a jovem filha do presidente é o personagem mais inútil da série – diriam alguns – sendo incapaz de fazer nada para se proteger sozinha. Ashley passa grande parte do tempo gritando “Leon, help me!” (Me ajude, Leon!) e com pouco tempo sua voz já se torna irritante e enjoativa. Mesmo assim os fãs eram obrigados a suportar isso ao longo do jogo se quisessem ver o final da alienada aventura de Leon pela Espanha.
Acho que até hoje ninguém nunca teve a bondade de pensar no lado da personagem. Por que ela era tão “incompetente” in game? Alguns poderiam responder à essa pergunta alegando estar ela traumatizada com os acontecimentos, afinal, segundo sites virais ela fora sequestrada ao sair da faculdade em Massachusetts por Jack Krauser e levada para um vilarejo remoto na Espanha a fim de ser utilizada como cobaia em uma experiência que envolvia conspirações para derrubar o governo dos Estados Unidos. Mas essa seria a resposta mais objetiva? Seria esse o real motivo para seu comportamento, o comportamento que a fez ter tantos anti-fãs?
Bom, creio que vou estar agora atuando como o advogado do diabo (embora eu não tenha críticas contra a personagem e sim contra o próprio Resident Evil 4 inteiro em si), mas é preciso avaliar as coisas de um ponto de vista mais singular para chegarmos à resposta do real motivo por Ashley ser tão detestada pelos fãs e com certeza é agora que muitos irão parar de ler esse artigo. O motivo é bem simples e há um culpado acima de todos para a péssima personalidade da garota, se é que ela tem uma e se chama Shinji Mikami. Muitos aí já se mexeram na cadeira e contestaram o argumento, afinal, quantos não são os fãs de Resident Evil que idolatram Mikami como um Deus? Adoram-no por ser o mesmo o autor dos primeiros títulos da franquia e sonham com o mesmo como o Supremo Emma-Daioh de Resident Evil, o homem que vai fazer todo mundo se borrar nas calças e sentir o terror de volta com o polêmico The Evil Within? Contudo, há fatos que poucos tem o bom senso de argumentar. Um deles é que Resident Evil 4 mudava completamente o estilo de história da franquia. Não apenas o estilo de jogo, saindo da terceira para a segunda pessoa, mas o estilo de história, saindo das sombras de “sobreviventes” para heróis em ação e resgate. Leon foi o progenitor dessa nova linha e Mikami pensou unicamente nesse ponto ao criar o enredo que abordava Resident Evil 4.
Exato, para quem aí vive reclamando que Resident Evil deixou o estilo “survival” de lado, não se esqueça que foi o próprio Mikami quem começou com essa nova linha de história. Em Resident Evil 4 a ideia principal é promover o herói (entenda bem, herói, não sobrevivente) Leon a salvar a donzela em apuros. Para tanto era necessário uma donzela e Mikami inspirou-se diretamente nas princesas de RPG’s clássicos, aquelas menininhas mimadas que morriam por quebrar uma unha e gritavam “Help!” após verem qualquer barata ou porque não conheciam as redondezas longe de seus castelos. Acredito que a primeira coisa que passou pela cabeça do Mikami foi “Ela precisa pedir por socorro, Leon tem que saber que ela precisa de ajuda”. Até aí tudo bem, mas daí em diante Mikami já pensou em Ashley como uma princesa delicada e indefesa, algo do tipo “Ela precisa ser delicada, ser a donzela que precisa ser salva”. O resultado disso foi uma personagem incapaz de pensar, de analisar a situação, a cena em torno de si, incapaz de encontrar uma luz no fim do túnel e que o tempo todo tinha a expressão única de quem está morrendo de medo de tudo. Até o medo tem um limite, limite esse que Ashley desconhece. Talvez a personagem nem fosse tão ruim, a não ser por um outro problema: ela era filha do Chefe de Estado Maior dos Estados Unidos da América, o Presidente em pessoa.
Para piorar a situação Mikami pensou em outros detalhes da história que enalteciam o herói, afinal, Resident Evil 4 era o grande salto na evolução da franquia e não poderia ser um título qualquer. Leon era agora um agente secreto à serviço do governo dos Estados Unidos e como tal precisava de uma missão digna de sua posição e qual missão seria melhor que salvar a filha do homem mais importante do mundo? Como amigo pessoal do então presidente dos EUA, Leon é incumbido de partir para a Espanha para investigar a suspeita da presença da filha raptada do presidente naquela região. Essa é uma das outras gafes absurdas do jogo em termos de roteiro, pois se a filha do presidente dos EUA tivesse sido raptada, não demoraria a aparecer a notícia na mídia (filhos de grandes autoridades vivem na mira dos paparazzi e seu sumiço implicaria em perguntas rapidamente, não ficando muito tempo em segredo) e se surgisse a suspeita de onde ela se encontrava, CIA, FBI e várias outras agências criariam um incidente internacional para recuperá-la, jamais, em momento algum, um único agente seria incumbido dessa missão.
Mas ignorando esse ponto que não é o foco do artigo, vamos nos ater à Ashley Graham. A personagem foi criada com tamanha preocupação e tanto interesse por parte do senhor Mikami que não existem nem virais com os nomes de seus pais ou irmãos. Tudo que se refere à ela é que ela é filha do Senhor Graham, presidente dos Estados Unidos em 2004 (ano em que George W. Bush fora reeleito na realidade), mas não existe sequer uma art-work da garota com os pais ou alguém da família, pelas imagens é como se a única família que ela tinha fosse o próprio Leon. Ignorando também esse “perfil fantasma” de Ashley, vamos pensar que ela não era uma adolescente qualquer. Era uma jovem de 20 anos (de acordo com os virais, nascida em 1984 e sequestrada em 2004), estudante de uma faculdade (qual também não sabemos a especialidade que ela cursava) e filha do homem mais poderoso do mundo.
Agora alguns aí vão perguntar o que tem a ver ela ser filha do presidente, o que a torna mais importante ou mais capaz que os outros jovens por isso. Bom, pensando nisso, meu amigo Reuel Lima, do antigo site de Resident Evil, REWorld, fez uma pesquisa analisando os filhos de grandes personalidades e lideranças de destaque no mundo e os feitos desses jovens ou mesmo o que lhes é passado de pai para filho para contribuir em sua educação. Tomem nota de alguns exemplos à seguir, créditos da pesquisa ao Reuel:
Filhos de figuras políticas importantes e seus “trabalhos”.
- George W. Bush: Foi o 43º presidente dos Estados Unidos. É pertinente, pois é o filho mais velho do 41º presidente, George H. W. Bush. Prova que alguns filhos de figuras estatais são criados de modo que sua criação possibilite que os mesmo possam ser líderes algum dia (e não mocinhas com QI baixo e hormônios em conflito por causa do agente que as foi resgatar XD). A maior parte de seus irmãos são ligados à instituições filantrópicas e trabalham em instituições de caridade.
- Barbara Pierce Bush: Filha do presidente acima. Antes de trabalhar no Museu Nacional de Design Cooper-Hewitt (O que mostra o seu envolvimento com cultura e urbanismo), ela viaja o mundo, indo a países como a África para ajudar pacientes diagnosticados com AIDS, num programa patrocinado pelo Colégio de Medicina de Baylor. Além disso, ela é Co-fundadora e presidente de uma organização sem fins lucrativos voltada para a área da saúde, a Global Health Corps, que provê oportunidades para jovens profissionais de diversas áreas a fim de lutar pela igualdade da saúde global. É pertinente por mostrar o engajamento incumbido a filhos de chefes de estado, que desde cedo são estimulados a pensar na sociedade como um todo.
- Jenna Bush Hager: Assim como a irmã (acima), ela desde cedo foi uma pessoal engajada, trabalhando como professora em diversos programas de caridade organizados pela UNICEF, especialmente no Panamá. É também uma correspondente ao NBC News, contribuindo uma vez com histórias relacionadas à educação.
- Elizabeth Alexandra Mary: Elizabeth II, atual monarca da Inglaterra e filha da anterior, apesar do trono garantido por nascimento, é um ótimo exemplo de filha de chefe de estado. Durante à Segunda Guerra Mundial, ela, com 18 anos, diversas vezes assumiu o lugar do rei durante incapacidade ou ausência do mesmo como uma dos Cinco Conselheiros de Estado. Também integrou o “Serviço de Auxílio Territorial”, que era a divisão feminina do Exército Inglês, treinando como motorista e mecânica, sendo promovida para Comandante Honorária Junior apenas 5 meses depois.
Ainda no tocante à inspiração que esses mesmos líderes procuram passar para seus filhos, Barack Obama, presidente empossado dos EUA em 2009 foi entrevistado na ocasião histórica pelo site PARADE que lhe perguntou sobre as relações pessoais do presidente como homem de família e o que o mesmo esperava de suas crianças. Como resposta, Obama mostrou uma carta que havia escrito para suas duas filhas, Malia Ann Obama e Sasha Obama. Reuel traduziu alguns trechos dessa carta, apresentados à seguir.
“…to grow up in a world with no limits on your dreams and no achievements beyond your reach, and to grow into compassionate, committed women who will help build that world."
"…que cresçam em um mundo sem limites para seus sonhos e sem conquistas além do seu alcance, e que cresçam mulheres compassivas e comprometidas que irão ajudar a construir este mundo."
"I hope both of you will take up that work, righting the wrongs that you see and working togive others the chances you’ve had. Not just because you have an obligation to give something backto this country that has given our family so much—although you do have that obligation. But because you have an obligation to yourself. Because it is only when you hitch your wagon to somethinglarger than yourself that you will realize your true potential."
"Eu espero que vocês duas continuem este trabalho, corrigindo os erros que vocês veem e trabalhando para dar a outros as chances que vocês tiveram. Não apenas por vocês terem que dar em retorno à esse país que tem dado tanto à nossa família - apesar de vocês terem essa obrigação. Mas porque vocês tem uma obrigação consigo mesmas. Porque é somente quando você engata seu vagão a algo maior do que si mesmas que vocês irão perceber o seu verdadeiro potencial.”
Esses são trechos da carta oficial escrita pelo presidente para suas filhas. Analisando, enfim, as relações entre pais e filhos e suas atividades, o que se nota é que o senhor Mikami, em sua ânsia em criar uma “donzela em apuros” para que Leon resgatasse, ao lhe dar o título de “Primeira Adolescente”, filha do senhor Presidente dos Estados Unidos, esqueceu-se de pesquisar mais a fundo sobre como seria um filho de uma personalidade desse porte. Ashley poderia ter sido um dos personagens mais grandiosos da franquia, ter ajudado Leon em seu próprio resgate, ter sido mais útil na missão do herói e não apenas um personagem sem uma real personalidade, cuja única fala em destaque era o limitado “Help me!”.
Para aqueles que entendem um pouco de inglês e estiverem curiosos, eis a fonte original onde a carta foi publicada abertamente sob a autorização do presidente.
Por fim, vale ainda recordar que Resident Evil 4 teria um outro enredo, personagens e trama diferentes, nada de Ashley nem de sequestros e resgates in game, esses elementos foram alterados depois que Mikami assumiu a produção do título. Se a ideia original teria sido melhor ou não, nunca iremos saber, o que sabemos é que a maioria de seus esboços foram usados no desenvolvimento do primeiro título da franquia Devil May Cry e analisando os castelos, os trajes de Dante e Vergil, armamentos como espadas e mesclando tiros, somados à diversos inimigos que variam de zumbis à demônios, é bem provável que com esses elementos o título teria sido muito mais obscuro (não me refiro à ação em Devil May Cry usada no título, apenas os elementos que o jogo possui, afinal, para quem conhece, Leon nessa versão descartada estaria em boa parte do tempo sob o efeito de drogas alucinógenas).
Nota de curiosidade (nada a ver com a Ashley): Na primeira versão de Resident Evil 4, o diretor do projeto era Hideki Kamiya e se ele tivesse desenvolvido o jogo até o fim, o mesmo seria 100% diferente. Na versão original criada por Kamiya o protagonista chamaria-se Tony e teria “poderes”. Quais eram esses poderes é algo que acabou nunca sendo revelado, mas sabe-se que nessa história, na metade da trama Tony descobriria ser filho de Spencer e por essa razão teria tais poderes (seria ele um outro dos 13 de onde veio Wesker? Nunca saberemos). Posteriormente Hiroshi Shibata assumiu o projeto e desenvolveu a história “não-oficial” mais conhecida, inserindo o personagem Leon como novo protagonista no lugar do filho de Spencer, Tony. Foram três versões de roteiros diferentes, todos com pontos em comum onde Leon passava boa parte da história tendo alucinações sob o efeito de drogas e confrontava cavaleiros em armaduras com espadas, anjos e demônios. Foi desse roteiro de Shibata que saíram os esboços que deram origem à Devil May Cry. Tudo foi colocado de lado, Ashley, Salazar e outros personagens foram introduzidos e o jogo deixou o lado sombrio para ganhar cara de adventure apenas após a entrada do mestre do survival Mikami. Irônico, não?
Créditos pela curiosidade: Reuel Lima.
Terminando aqui minha pauta com a defesa sobre a Ashley, acredito que em um outro universo, a personagem poderia ter sido uma das mais grandiosas e engenhosas para a franquia, afinal, sendo filha de um homem de tamanha importância, após ser resgatada por Leon e viver o terror de um sequestro e ser cobaia de armamento biológico na própria pele, imaginem quanto a mesma não poderia contribuir na história futuramente. Infelizmente não foi o que aconteceu e dada sua fama a possibilidade de um retorno ou mesmo uma menção novamente na história é bem pequena, para não dizer quase impossível.
Dan Yukari – Administrador do Blog.