Nome: Felipe Demartini
Idade: 27 anos
Ocupação: Jornalista
RE:ViP: Antes de mais nada, é um prazer entrevistá-lo, sua
contribuição para com os fãs de Resident Evil no Brasil foi das maiores e
continua sendo grande referência para todos. Tê-lo entre os amigos do RE:ViP é
uma grande honra para nós.
RE:ViP: Qual foi seu primeiro contato com Resident Evil? Que
idade tinha nessa época?
Demartini: Comecei “nessa vida”
bem cedo, logo depois do lançamento do primeiro jogo. Eu tinha 10 anos de idade
na época e meu primeiro contato com a série se deu em julho de 1996. Eu estava
meio desencanado de video game na época e fui passar as férias com os meus pais
em Uberaba (MG), onde tenho boa parte da minha família. Lá, como em todas as cidades
de interior, rolava aquela cultura das “locadoras”, os lugares onde, na
verdade, você não alugava os jogos, e sim, pagava por hora para jogar no
próprio local.
Foi lá que os amigos
da rua me levaram para ajudar a terminar “um jogo novo de zumbis” que,
obviamente, era o primeiro Resident Evil. Compramos várias horas em conjunto e
chegamos ao final com a Jill. Nos dias seguintes, voltei à locadora para jogar
mais e assim que voltei para casa, em São Vicente (SP), aproveitei a
proximidade do meu aniversário para pedir um PlayStation de presente, juntando
algumas economias para comprar o game original, que tenho até hoje.
RE:ViP: No início Resident Evil não tinha os modos cooperate e
online que tem hoje em dia, então como começou a sua relação com outras pessoas
fãs da franquia?
Demartini: Não posso dizer que
virei fã da franquia imediatamente quando joguei o primeiro jogo, acho que isso
aconteceu mais pela época do lançamento do segundo. Então, no início eu nem
buscava muito contato com outros fãs, nem mesmo tinha internet em casa. Mas foi
lá por 1998 que eu comecei a buscar sites, grupos ou o que fosse que estivesse
falando sobre a série na rede, que na época era bem precária em todos os
sentidos.
No começo, meu maior
contato com fãs da série se deu mesmo por livros de visitas de sites
especializados, como a saudosa SHREP (Survival Horror Resident Evil Page). Foi
lá, inclusive, que eu conheci a Monique Alves, que hoje é do Resident Evil
Database, e acabei fazendo parte do meu primeiro site de Resident Evil, o F.Y.F.R.E.
A partir daí, todo o
meu contato se deu de forma mais direta com os fãs, por fórum, email, chats e,
mais recentemente, redes sociais. Não sou muito fã de jogar online, e os modos
competitivos de Resident Evil, menos ainda. Então são pouquíssimas as pessoas
que eu conheci desse modo.
RE:ViP: Você classifica os primeiros jogos da franquia como
terror? O que seria necessário em um jogo para ele ser classificado como um
jogo de terror? Se sim, acredita que esse estilo de jogo pode assustar de
verdade uma pessoa?
Demartini: Sim, com certeza. Mas
acho que a questão de assustar vai de cada um, conheço gente que simplesmente
não assiste filme de terror por morrer de medo e outras que conseguem dar
risada assistindo o mesmo longa. Em jogo, porém, isso é potencializado pois você
não está apenas vendo, mas também interagindo e controlando o personagem. Ele
pode não ser você, mas é você quem o está controlando e isso traz uma camada
forte de opressão que pode acabar faltando no cinema.
Eu acho que é
justamente isso que faz um jogo ser classificado como terror, essa sensação de
opressão sobre o jogador. Quando o título faz o jogador perceber que ele não
está seguro, e que mesmo que esteja lotado de munição e itens, pode acabar
morrendo a qualquer momento. Escrevi um artigo sobre isso no SAC e acho que é exatamente esse aspecto que
falta de Resident Evil 4 em diante, com exceção do Revelations.
RE:ViP: Um ponto que sempre é destacado quando se fala sobre as
histórias de Resident Evil é que o jogo perdeu seu impacto devido à grande
troca de diretores e produtores durante a longevidade da franquia, o que fez
com que cada um apresentasse um ponto de vista diferente, deixando a sequência
de lado e agregando elementos novos, mas distantes da proposta original. Na sua
opinião, o que levou Resident Evil a mudar seu estilo ao longo do tempo?
Demartini: Não vejo o troca-troca
de diretores como o fator que levou Resident Evil a tantas mudanças. A tutela
do Mikami, por exemplo, não impediu que a gente tivesse os Res tradicionais, os
em primeira pessoa e, por fim, a mudança completa para a ação em Resident Evil
4. Entrada e saída de funcionários é algo que acontece em qualquer empresa, que
rola com qualquer franquia que tenha mais do que alguns anos de existência e
que, principalmente, as desenvolvedoras estão preparadas para lidar.
Para mim, o que fez
com que Resident Evil se afastasse tanto do que era antigamente foi a prática
do próprio mercado. O mundo dos games evoluiu, as dinâmicas mudaram, e hoje, um
jogo novo com a jogabilidade estilo RE1 seria considerado péssimo pelos mesmos
controles travados e evolução vagarosa que foram considerados revolucionários
em sua época. Coloque alguém que está acostumado com os jogos de ação da última
década e coloque-o para jogar RE1, e você vai perceber isso claramente.
O problema, para mim,
é que a Capcom não soube lidar com essas mudanças. Isso fica claro em RE6,
quando ela decidiu entregar tudo aquilo que os fãs quiseram de uma só vez, sem
dar a atenção devida a nenhum dos elementos. O resultado é capenga, pouco expressivo
e acabou por piorar as coisas ainda mais, em vez de melhorá-las. É preciso ser
inteligente para seguir tendências de mercado e, desde Operation Raccoon City,
não é exatamente isso que a gente tem visto.
RE:ViP: Qual seu Resident Evil preferido no quesito história?
Por quê?
Demartini: Em trama, única e
exclusivamente, acho que seria Resident Evil CODE: Veronica. São personagens
interessantes, conceitos bem macabros – como o amor maluco do Alfred pela
Alexia e todas as experiências que eles fizeram nos próprios pais – e uma série
de momentos épicos que marcaram a série. Fico entre CV e o Remake, pelos mesmos
motivos.
Mas meu jogo preferido
mesmo, até agora, é Resident Evil: Revelations, por unir uma trama interessante
e bem diferente de tudo que já tinha sido feito com a nova jogabilidade, que
gosto bastante, aliada a um clima de terror e opressão constantes.
RE:ViP: Qual seu personagem preferido?
Demartini: Billy Coen, por ser o
único cuja história tem começo, meio e fim, apesar de muita gente não concordar
com isso. Ele também é um dos poucos personagens da série a ter tons de cinza,
sem ser totalmente mal nem totalmente bom. No começo, ele parece mais
interessado em cuidar de si mesmo e não assume a típica postura de super-herói
dos outros protagonistas. Com o tempo, claro, ele desenvolve uma relação com a
Rebecca e acaba arriscando a própria vida para salvá-la, mas isso não vem do
nada, dá para enxergar tudo acontecendo.
Justamente por ser o
meu personagem preferido que eu não gostaria que ele voltasse. O Coen me
conquistou por ser justamente assim, completo, mesmo que só em um único jogo.
Não existe motivo forte o suficiente para fazê-lo voltar e, com a série
caminhando para tramas cada vez mais rasas e sem sentido, são grandes as
chances da Capcom estragar tudo.
RE:ViP: Além do RESAC, você chegou a fazer outras coisas que fãs
fazem relacionadas à Resident Evil, como fanfictions e fan-arts?
Demartini: Tenho alguns rabiscos
de fanfics, mas nada nunca foi para a frente e eu nem mesmo tenho mais o que
escrevi. Com o fim do SAC, pensei em criar um Tumblr/canal no YouTube dedicado
a unboxings e reviews de produtos da série, mas me deu uma preguiça. Acabei me
envolvendo em outros projetos e isso ficou pra depois, se é que um dia vai
existir.
RE:ViP: Como surgiu a ideia de criar o RESAC? Quantos membros
haviam no início e de quem veio a ideia para o nome?
Demartini: A ideia do SAC surgiu
pouco dias depois que eu e a Carolina Tod deixamos o REVIL. Eu administrava
praticamente sozinho o perfil do site no Twitter e, por lá, as pessoas acabaram
pegando o hábito de fazer perguntas, que eu respondia para todo o restante dos
seguidores. Isso motivava mais e mais perguntas e assim por diante, e era algo
que dava um trabalho, mas que eu curtia muito fazer.
Então, decidi
continuar com esse trabalho criando um perfil chamado, justamente, Resident
Evil SAC. SAC, de Serviço de Atendimento ao Consumidor mesmo. Pretendia
continuar por ali para continuar lendo, estudando sobre a série e ajudando a
galera, sem pretensões iniciais de transformar aquilo em um site.
Paralelamente, eu e a
Tod conversávamos bastante sobre tudo da série, e gostávamos bastante de
explorar tudo o que era coisa além do jogo. Livros que traziam teorias legais,
filmes que inspiraram a série, diretores que os produtores de RE curtiam,
enfim, todo tipo de coisa que influenciou Resident Evil de alguma maneira, seja
em um conceito macro ou em uma simples cena ou roupa.
Foi dessas discussões
– e também da percepção que a comunidade brasileira carecia de uma série de
coisas, como notícias mais aprofundadas e com personalidade, artigos de
contexto e conteúdo que só estava disponível na gringa – que nasceu o site em
si. O mundo de Resident Evil no Brasil, na época, era muito frio e fechado,
tirando algumas propostas. Eu queria interagir mais com o leitor, publicar
artigos escritos por ele, ser xingado (e xingá-lo de volta) e, em uma utopia
distante, acabar com muita bobagem que era dita por aí.
99% do tempo de SAC
fui eu escrevendo sozinho. A Tod foi responsável por toda a parte visual do
site e contribuiu com alguns textos, além de ter sua própria seção por algum
tempo e ter feito uma pesquisa foda que me encheu de pautas de artigos, muitas
acabaram nem sendo produzidas. Preferi me manter sozinho pois todo o tempo em
que trabalhei com equipes em sites na produção de conteúdo, foi mais chateação
do que benefício. Ainda assim, abri pra quem quisesse escrever e tivesse ideias
legais e acabei publicando alguns artigos de parceiros ou leitores.
RE:ViP: O que foi mais difícil para a criação e desenvolvimento
do RESAC?
Demartini: O desenvolvimento em
si do SAC foi bem simples, as ideias vieram de forma natural e a coisa fluiu
bem, tanto que o site já entrou no ar poucos meses depois da nossa saída do
REVIL. Meu maior inimigo mesmo foi a gestão de tempo, principalmente do meio
para o final de 2012, com dois lançamentos de filmes, um jogo e vários convites
para um monte de coisa, como eventos de lançamento e promoções.
Foi uma época em que
tudo o que eu fazia era escrever. Acordava, ia para o meu antigo trabalho no
Baixaki Jogos, escrevia até as 20h da noite, chegava em casa e escrevia mais.
Nos intervalos, respondia emails, conversava com as pessoas e enviava
propostas. Foi o tempo em que o SAC mais bombou em todos os aspectos, visitas,
aceitação, reconhecimento, postagens, número de artigos. Foi difícil, mas valeu
a pena.
Outra dificuldade bem
grande das pessoas, mas que eu nunca fiz questão de mudar e nem me importei
muito, foi com a opinião. Eu sempre interagia com a galera nos comentários e
sempre disse o que eu pensava, e foram inúmeras as vezes que ouvi de leitor que
eu deveria ficar quieto por ter site e, sendo assim, deveria ser “imparcial”. Nunca
acreditei nisso.
RE:ViP: Sendo o ícone por trás do RESAC e a inspiração para
milhares de outros fãs de Resident Evil no Brasil, quais sites relacionados ao
tema (nacionais e/ou estrangeiros) você mais aprecia?
Demartini: Obrigado pelo ícone
hahahahaha. Sobre sites, gosto bastante de acompanhar as discussões do fórum do
The Horror Is Alive, apesar de na maioria das vezes elas descambarem pra um
lado de arrogância que não me agrada em nada. O Project Umbrella/Biohazard
France são bons em escarafunchar coisas e publicar conteúdos mais diferentes, e
acabam sendo os dois que eu acesso mais hoje em dia, apesar de não estar saindo
quase nada de novo.
RE:ViP: Há toda uma especulação pela internet de que Resident
Evil 7 possa ser o último jogo da franquia. Há, no entanto, uma única
declaração da Capcom, feita no segundo semestre de 2013, onde o ex-diretor de
marketing da Capcom Européia, Michael Pattinson, afirma que o
próximo jogo da franquia deverá retornar seu estilo ao Survivor Horror. Em sua
opinião, o que pode vir a acontecer em um próximo Resident Evil?
Demartini: Essa especulação de que Resident Evil 7 seria
o último é fundamentada em nada. Escuto que “o próximo numerado será o último”
desde RE5, as pessoas sempre pensam que a série vai acabar, mas se esquecem que
ela é, hoje, uma das franquias mais lucrativas da Capcom e um sucesso absoluto
em todo o mundo, ao contrário de outras séries que são mais focadas no Japão.
Levando isso em conta, não dá pra pensar
que vai acabar em breve. Mas, no máximo, pode rolar um hiato, como já está
rolando, enquanto a Capcom prepara coisas novas. Eles estavam crentes que
Resident Evil 6 ia ser lindo e todo mundo ia amar, mas quando justamente os fãs
que eles tentaram agradar caíram matando e o jogo não vendeu o absurdo que era
esperado, eles tiveram que retrabalhar tudo e, nesse ensejo, provavelmente teve
até jogo cancelado aí.
Eu acho que, bem em breve, teremos um
novo spin-off, talvez pro 3DS, onde a Capcom tem uma presença boa, ou pra
PC/PS3/Xbox 360. Mas o próximo jogo numerado, com certeza, será para a nova
geração e a Capcom vai ter que dar o sangue se quiser tirar o gosto amargo que
RE6 deixou. Se vai ser Survival Horror? Não sei, depois de The Last of Us, pode
até ser. Mas não será um Survival Horror estilo antigo, aquilo morreu e não dá
para esperar retorno.
RE:ViP: Por fim, uma pergunta que certamente todos os fãs gostariam de ouvir sua
opinião: Shinji Mikami é considerado o mestre por trás da criação de Resident
Evil e do gênero Survivor Horror. Ele é também o autor do jogo que mudou o rumo
da franquia, bem como o estilo utilizado nos primeiros jogos, Resident Evil 4.
Muitos consideram que a mudança de estilo radical e do rumo que tomou a
história principal de Resident Evil foi uma consequência da saída de Mikami da
Capcom. Agora, muitos anos depois, Shinji retorna com um novo jogo e diz que
esse será o jogo que realmente trará o estilo Survivor Horror de volta. Você
acredita que The Evil Whitin irá confortar os fãs que se dizem órfãos desse
gênero e que esse jogo trará de volta o impacto que Resident Evil causou há
mais de uma década?
Demartini: Duvido que terá o mesmo impacto, são outros
tempos, a preferência geral do público gamer hoje é outra e é preciso mais do
que voltar às origens para ser relevante. Para mim, todas as afirmações
recentes do Mikami sobre terror e tudo mais soam bem estranhas, principalmente
quando ele fala que as mudanças em Resident Evil o levaram a criar The Evil
Within. Foi ele quem iniciou tais mudanças e, se RE desbancou cada vez mais
para a ação, foi devido a um caminho que ele mesmo pavimentou em RE4.
Não sei se The Evil Within vai confortar
os fãs, é bem possível. Mas eu acho que isso vai vir mais da ausência quase
completa de jogos desse tipo no mercado atual do que de algum fator
revolucionário ou absurdo que o Mikami vai inventar. Teremos um bom game, bem
provavelmente, como foi Resident Evil e como foi Shadow of the Damned. Mas
tenho minhas dúvidas quanto a esse renascimento do Survival Horror que a galera
tanto espera.
RE:ViP: Agradeço
pelas respostas e pelo seu tempo para nós, do RE:ViP e todos fãs do Resident
Evil. E que Resident Evil nos traga novas e boas surpresas em breve. Obrigado!
Demartini: Eu que agradeço pela oportunidade, são
coisas assim que fazem ver que o trabalho vale a pena ;-)